sexta-feira, abril 23, 2010

Sexta, 23 de abril de 2010, 08h04 A índia Tuíra tem razão

Sexta, 23 de abril de 2010, 08h04 A índia Tuíra tem razãoFabio Feldmann
De São Paulo




Manifestantes do Greenpeace fazem protesto pacífico em frente à sede da Aneel, em Brasília. Os ativistas descarregaram um caminhão de esterco no local, como forma de protesto contra o leilão da Hidrelétrica de Belo Monte. (Foto: Agência Brasil)


Essa semana é impossível não comentar o leilão sobre a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.

Acompanho o assunto há mais de 20 anos e estava na reunião em Altamira, quando a índia Tuíra se manifestou dramaticamente sobre o assunto, dirigindo-se à mesa da qual eu fazia parte, e passou um facão no rosto do atual presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes. Na época, Belo Monte se chamava Kararaô, que na língua dos índios Kayapós representa um grito de guerra.

De lá para cá, o projeto foi modificado em termos da área a ser inundada, com adoção de novas tecnologias, mas não tenho dúvida de que o mesmo ainda terá grande impacto na região, na maior parte irreversível, afetando as populações que ali vivem, especialmente as comunidades de ribeirinhos e indígenas, que têm se manifestado contra o projeto, a exemplo do documento publicado no jornal Valor Econômico, no dia 21 de abril de 2010, "Nós indígenas do Xingu, não queremos Belo Monte".

O grande argumento a favor de Belo Monte seria a produção de energia para assegurar o crescimento econômico do país nos próximos anos, como se estivéssemos diante de uma situação de vida e morte em relação a esse último. Nos debates havidos pela imprensa, o governo, através de seus representantes, insiste nessa tecla, desqualificando a posição daqueles que questionam o empreendimento, chegando mesmo a argumentar que "interesses estrangeiros" conspiram contra o crescimento do Brasil, por medo da concorrência de nossos bens de exportação. A Advocacia Geral da União, através de seu advogado geral, Luís Inácio Adams, ameaça promover processos contra os autores de ações judiciais que questionam no Poder Judiciário o empreendimento.

Estranho tudo isso. Se estivéssemos vivendo os tempos sombrios do regime autoritário, não haveria o que por ou tirar do figurino das autoridades governamentais. O mesmo discurso, do Brasil grande, do Brasil potência, e a mesma ladainha dos interesses estrangeiros e da "conspiração" contra o nosso crescimento. Que se dane os impactos socioambientais porque o Brasil precisa crescer.

Pessoalmente, entendo a necessidade de aumento da oferta de energia para o Brasil, bem como uma opção de hidroeletricidade ao invés de térmicas, que geram gases efeito estufa contribuindo para o aquecimento global. Até aí nada de novo. Todos acreditamos que o país precisará de novas fontes de energia e também melhor administrar a demanda. Entretanto, essas premissas não autorizam a construção de Belo Monte. O projeto está sendo implantado no final de um governo, com enorme participação de investimento do contribuinte, através da Eletrobrás e do BNDES, com custos questionáveis.

Muitos daqueles que são a favor de empreendimentos dessa natureza questionam o preço do megawatt (MW) a ser gerado em Belo Monte e da sua capacidade de geração: calcula-se que a usina gerará apenas 40% da capacidade instalada de 11.200 MW. Ou seja, Belo Monte corre o risco de se tornar uma nova Balbina, usina símbolo de mau planejamento energético do Brasil.

Enfim, por que empurrar goela abaixo da sociedade um projeto tão polêmico e com tanta controvérsia?

O processo de licenciamento não atendeu requisitos de transparência, pesando sobre o mesmo suspeita de açodamento por se tratar de iniciativa prioritária para o governo Lula. Os próprios ganhadores do leilão ameaçam desistir exatamente pelas incertezas que pesam sobre o empreendimento, ou seja, diante de tantos riscos.

Como tenho dito diversas vezes nessa coluna, Belo Monte significa o Brasil atrasado e o desenvolvimento do século XX. Da mesma maneira, revogar as conquistas do Código Florestal e implantar um Porto em Ilhéus, mais precisamente na Área de Preservação Ambiental da Lagoa Encantada, para exportação de minério de ferro, também são símbolos desse mesmo desenvolvimento atrasado.

Empreendimentos dessa envergadura e com impactos tão grandes sobre o Xingu deveriam ser postergados até que pudéssemos esgotar definitivamente todas as outras alternativas menos impactantes e polêmicas. Caso isso não ocorra, quem pagará a conta será o contribuinte brasileiro e as futuras gerações.



Fabio Feldmann é consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica. Foi deputado federal, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dirige um escritório de consultoria, que trabalha com questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável.



Fale com Fabio Feldmann: fabiofeldmann08@terra.com.br

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